por Guilherme Nascimento
No Brasil de hoje, qualquer movimento inesperado de uma figura pública ganha contornos de espetáculo. Foi o que aconteceu recentemente, quando um influenciador digital de alcance massivo lançou um vídeo performático anunciando a criação de uma nova rede social e insinuando uma possível candidatura à presidência em 2026. O gesto, envolto em ironia, estética high-tech e linguagem de “inovação política”, gerou debate, confusão e — como sempre — trending topics.
Mas mais interessante do que o anúncio em si, é o que ele revela sobre o nosso tempo: uma política cada vez mais moldada por linguagem de marketing, disputas narrativas e dinâmicas algorítmicas. Não é exatamente sobre o nome do influenciador, nem sobre a veracidade ou viabilidade da proposta. É sobre o terreno fértil que permite que isso aconteça — e seja levado a sério.
George Orwell, em 1984, descreveu uma sociedade onde o Estado controla tudo — até a linguagem. A “Novilíngua” foi criada para impedir pensamentos dissidentes: se você não tem palavras para dizer “liberdade”, não pode desejar liberdade. Hoje, o controle talvez não venha do Estado — mas das plataformas, dos fluxos de dados e da guerra por atenção. E, ironicamente, a promessa de uma “Nova Fala” surge em meio a esse cenário, ecoando a distopia com ares de start-up.
A pergunta que importa não é se a candidatura é real. É: o que significa anunciar uma candidatura assim? O que se comunica ao país quando se transforma o projeto de nação em um “teste de engajamento”? Qual o risco de tornar a política uma extensão do conteúdo, mais do que um espaço de escuta e construção coletiva?
A política brasileira tem urgências que não cabem em vídeos virais. A fome, o racismo, a crise climática, a desigualdade educacional e a violência nas periferias não podem ser resolvidas por retórica bem editada. Precisamos de novas linguagens, sim — mas não de novas distrações.
Por outro lado, é legítimo que novas vozes surjam. O cansaço com a velha política é real. A desconfiança nas instituições também. E há potência na ideia de redes que escutem o povo de verdade, que rompam as bolhas de Brasília. Mas esse desejo não pode ser capturado apenas pela estética do like. Porque um país não se governa com memes. Se governa com escuta radical, compromisso ético e coragem coletiva.
Não se trata de deslegitimar um anúncio, nem de transformá-lo em meme. Trata-se de convidar a sociedade a olhar para o fundo — não apenas para a superfície. E perguntar: que tipo de política estamos construindo? Que tipo de escuta queremos praticar? Que tipo de fala pode, de fato, nos mover?
Se for pra ser nova, que seja uma fala ancestral, comunitária, encarnada no cotidiano das quebradas, das florestas, das escolas públicas, das mães solo, dos trabalhadores invisíveis. Uma fala que não precise de hype para ser legítima. Uma fala que não é produto — é processo.
A política pede mais do que anúncio. Pede presença. Pede raiz.
