O Japão é uma nação cuja identidade se constrói a partir da harmonia entre tradição e inovação. Com raízes civilizatórias que remontam a milênios, o país é reconhecido por preservar com vigor seus valores culturais ancestrais, ao mesmo tempo em que se consolida como potência tecnológica e econômica no cenário global contemporâneo. Essa singularidade se expressa em diferentes dimensões — das cerimônias do chá à inteligência artificial, dos templos xintoístas à engenharia de ponta — configurando um modelo de desenvolvimento profundamente enraizado na cultura e na espiritualidade do seu povo.
No centro simbólico dessa nação está o imperador, figura que carrega uma das linhagens dinásticas mais antigas do mundo. O atual imperador, Naruhito, é herdeiro direto da mitológica deusa do sol Amaterasu e representa não apenas a continuidade institucional do Estado japonês, mas também a expressão mais elevada da identidade e unidade nacional. Embora seu papel seja constitucionalmente cerimonial, sua presença em eventos diplomáticos confere uma dimensão de prestígio e reconhecimento raramente atribuída a interlocutores estrangeiros. É nesse contexto que se insere a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Japão, ocorrida entre os dias 24 e 27 de março de 2025, marcando um novo capítulo na trajetória de relações entre as duas nações.
Comitiva, intenções e contexto da visita
A visita ocorreu no marco da celebração dos 130 anos de relações diplomáticas entre Brasil e Japão. Lula foi acompanhado por uma comitiva de alto nível, composta por onze ministros de Estado, parlamentares, embaixadores, empresários e representantes da sociedade civil. Entre os ministros presentes estavam Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Camilo Santana (Educação), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Juscelino Filho (Comunicações) e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional), além da presença dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
A diversidade temática da comitiva revela os múltiplos eixos estratégicos que estruturaram a agenda da visita: meio ambiente, economia, educação, ciência, tecnologia, infraestrutura, cultura e relações multilaterais. Lula não apenas reforçou o interesse brasileiro em ampliar o comércio com o Japão, mas também apresentou o país como uma liderança internacional disposta a protagonizar soluções sustentáveis e inovadoras para os desafios do século XXI.
Audiência com o imperador e o valor simbólico do encontro
No dia 25 de março, Lula e a primeira-dama Janja foram recebidos em audiência oficial pelo imperador Naruhito e pela imperatriz Masako, no Palácio Imperial de Tóquio. A solenidade incluiu ritos protocolares, discursos e um jantar formal. Trata-se de um gesto raríssimo, que não ocorria com um presidente brasileiro desde 2016, e cuja simbologia extrapola os limites da diplomacia. Ao acolher Lula, o imperador transmite ao mundo a mensagem de que o Brasil é novamente considerado um parceiro confiável, respeitado e estratégico.
No discurso, Lula destacou a importância histórica da imigração japonesa no Brasil, iniciada em 1908, e homenageou a comunidade nikkei, composta por mais de dois milhões de descendentes japoneses em território brasileiro. Propôs ainda a criação de um museu virtual da imigração, com acervos digitalizados, experiências sensoriais e o bilíngue, em cooperação com universidades dos dois países.
Diálogos bilaterais e resultados concretos
No dia 26 de março, Lula participou do Fórum Econômico Brasil-Japão, promovido pela JETRO e pela Keidanren, reunindo mais de 500 empresários brasileiros e japoneses de setores como agronegócio, alimentos e bebidas, energia, logística, siderurgia, infraestrutura e tecnologia. O fórum teve como foco a reindustrialização verde do Brasil, com destaque para as oportunidades em energia limpa, agricultura sustentável e transformação digital.
Ainda no mesmo dia, o presidente se reuniu com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, no Palácio Akasaka. O encontro teve caráter estratégico e resultou na de diversos memorandos de entendimento, cobrindo uma ampla gama de áreas de interesse mútuo. Entre os temas discutidos estiveram a possibilidade de um futuro acordo comercial entre o Mercosul e o Japão, a ampliação do comércio de carne bovina e suína, a criação de fundos para investimento em energia renovável e o apoio à realização da COP30 em Belém, no Brasil.
Acordos firmados e aprofundamento das parcerias
Durante a visita, foram firmados acordos em cinco frentes prioritárias:
- Meio Ambiente: Marina Silva assinou, junto ao ministro Keiichiro Asao, um memorando de cooperação voltado à mitigação das mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, economia circular e tecnologias de baixo carbono.
- Agricultura: Carlos Fávaro firmou uma carta de intenções para recuperação de áreas degradadas e fortalecimento de práticas agroecológicas.
- Tecnologias da Informação e Comunicação: Juscelino Filho formalizou um acordo para promoção da inclusão digital, inovação em conectividade e intercâmbio em tecnologias emergentes.
- Educação: Camilo Santana assinou um memorando de cooperação para intercâmbio de estudantes, capacitação de professores e desenvolvimento de políticas educacionais integradas.
- Gestão de Riscos Naturais: Waldez Góes celebrou parceria com o Japão para prevenção e resposta a desastres hídricos, com foco na troca de tecnologias de monitoramento e adaptação climática.
Os acordos fortalecem o eixo de uma política externa brasileira que volta a priorizar o multilateralismo, a cooperação Sul-Sul, o desenvolvimento sustentável e a integração entre ciência, cultura e soberania popular.
Geopolítica e valores compartilhados
Lula e Ishiba também discutiram temas de natureza geopolítica, com destaque para o apoio mútuo à reforma do Conselho de Segurança da ONU, com o ingresso de novos membros permanentes. Tanto Brasil quanto Japão defendem uma reconfiguração da governança internacional que reflita a pluralidade dos tempos atuais. Também foi reiterado o compromisso conjunto com o desarmamento nuclear, o combate à fome, a proteção dos direitos humanos e a luta contra as desigualdades.
O governo japonês expressou apoio direto à presidência brasileira da COP30 e se comprometeu a atuar como parceiro estratégico na implementação de metas de carbono zero e financiamento climático para países em desenvolvimento.
Conclusão: alianças civilizatórias em tempos de transição global
A visita do presidente Lula ao Japão foi mais do que uma missão diplomática. Ela sinalizou a retomada do protagonismo internacional do Brasil, agora amparado em valores como justiça ambiental, cooperação entre os povos, ciência cidadã e diversidade cultural. O gesto do imperador Naruhito, ao recebê-lo com honras de chefe de Estado, e os compromissos firmados com o governo japonês, apontam para uma aliança de longo prazo entre dois países que compartilham valores estruturantes: respeito à paz, investimento em inovação, reverência à memória e compromisso com o futuro.
Em tempos de crises globais, polarizações políticas e catástrofes ambientais, a parceria entre Brasil e Japão mostra que é possível traçar caminhos sustentáveis a partir do diálogo entre civilizações. Um diálogo que, ancorado em raízes históricas, busca soluções para os desafios contemporâneos com coragem, sabedoria e visão de mundo.
