Por Guilherme Nascimento
Há momentos na vida política em que não se trata apenas de disputar votos. Trata-se de disputar sentidos, rumos e convicções. Em tempos de conciliação forçada, marketing político e apagamento das identidades ideológicas, é preciso ter coragem para reafirmar os princípios que nos movem. Falo aqui como um jovem militante, arte-educador e produtor cultural que vive a política não como profissão, mas como missão de vida. Mais do que compartilhar vivências, este é um chamado à reflexão profunda sobre o presente e o futuro da esquerda brasileira — e do PSOL, partido ao qual ainda pertenço por convicção.
Não é possível defender um projeto socialista enquanto se flexibiliza sua essência. A coerência ideológica não é obstáculo, é alicerce. Atualizar o programa de um partido é legítimo, mas isso não pode significar torná-lo irreconhecível. O PSOL nasceu para ser o espaço da radicalidade democrática, da independência crítica, do enfrentamento aos sistemas de opressão e à lógica do capital. Se perdermos isso, perderemos a razão de existir.
Governar com responsabilidade não significa se calar diante das contradições. Participar de um governo de frente ampla contra o fascismo não pode nos transformar em linha auxiliar da moderação liberal. Nossa missão não é blindar governos, é representar o povo que sente na pele a desigualdade. A lealdade maior do PSOL deve ser à classe trabalhadora, às periferias, aos territórios, aos povos originários e tradicionais — nunca a estruturas de poder.
O combate ao colapso climático, por exemplo, exige mais do que discursos sustentáveis. É preciso encarar o agronegócio predatório, os megaprojetos de mineração, a financeirização da terra. A defesa do ecossocialismo a pela soberania alimentar, pela proteção dos biomas e das culturas tradicionais. O Espírito Santo é território de riquezas ambientais e de resistência popular. A esquerda capixaba precisa se reconectar com essa base.
No campo do trabalho, vivemos uma era de precarização acelerada: uberização, terceirização, desmonte dos direitos trabalhistas. A juventude negra e periférica é explorada em nome da modernização. Um partido socialista não pode assistir a isso em silêncio. É preciso denunciar, mas também construir alternativas com base na economia solidária, na formação política e na autonomia territorial.
A revolução, se quiser ser de fato transformadora, precisa ser negra, feminista e dissidente. Isso não é adereço: é estrutura. A luta antirracista, LGBTQIAPN+ e feminista não deve ocupar um espaço decorativo no discurso da esquerda, mas sim estar no centro das decisões, das candidaturas, das lideranças. Porque são esses corpos que historicamente sustentaram os movimentos, mesmo sendo invisibilizados.
Também não há transformação sem base. A política não nasce nos gabinetes, mas nas escolas públicas, nos centros culturais, nas associações de bairro, nas cozinhas comunitárias, nas rodas de conversa. Como arte-educador e gestor da Casa Roxa Cultural, dedico minha vida à construção de processos formativos que aliam cultura, educação popular e cidadania. É nesse chão que o socialismo se torna prática.
O internacionalismo é outro pilar irrenunciável. Não podemos aceitar calados o genocídio do povo palestino, os ataques imperialistas na América Latina, a ascensão da extrema-direita global. Um partido revolucionário não se curva ao silêncio institucional. Se há sofrimento, deve haver denúncia. Se há injustiça, deve haver solidariedade global.
E é a partir dessas convicções que o a compartilhar parte da minha trajetória. Fui candidato à prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim em 2020, uma das cidades mais conservadoras do Espírito Santo. Levamos uma campanha com dignidade, coragem e pedagogia política. Demos visibilidade a corpos e ideias historicamente marginalizados. Em 2022, fui impedido de disputar o legislativo por conta das limitações da federação PSOL-Rede. Em 2024, cheguei a ser pré-candidato em Marataízes, mobilizando filiações e formações políticas. Recuamos diante da falta de apoio e das ameaças — mas o recuo foi estratégico, não foi abandono. Sigo com a mesma força, agora fortalecendo os territórios culturais.
Em Marataízes, o povo elegeu a mudança. Depois de mais de uma década de governo continuísta, optou pela alternância, mesmo que apoiando uma gestão de perfil mais à direita. Seguimos atentos. Não somos oposição institucional, mas exercemos crítica responsável. Acreditamos que uma gestão pública deve combinar responsabilidade fiscal com compromisso social. E mantemos viva a chama da participação popular.
Eu não uso o PSOL como trampolim. Eu sou parte da sua história no sul do estado. Ajudei a eleger a deputada estadual mais votada do Espírito Santo. Fundei núcleos, articulei coletivos, organizei filiações, levei a legenda a territórios onde ela não existia. Minha permanência no partido é por fé na transformação e fidelidade a um projeto. Mas não aceitarei a domesticação de nossos sonhos.
Tenho percorrido diferentes regiões do estado, como Colatina, São Mateus, Aracruz e Vila Velha, costurando alianças, conhecendo movimentos, escutando demandas. Acredito numa política territorializada, baseada na escuta, na escuta dos saberes populares e na valorização da cultura como ferramenta de emancipação.
Anuncio aqui minha intenção de ser candidato a vereador em Marataízes em 2026, e no futuro, assim que completar 35 anos, disputar o Senado Federal. Porque acredito que nossas vozes precisam ocupar os espaços institucionais. Que a juventude preta, periférica e LGBTQIAPN+ tem o que dizer, o que propor e o que construir. Queremos orçamento, caneta e decisão. Não apenas palmas.
E antes de encerrar, rendo homenagem às vozes que me antecederam, me inspiraram e me acompanham: Marielle Franco, Plínio de Arruda Sampaio, Luciana Genro, Heloísa Helena, Chico Alencar, Ivan Valente, Glauber Braga, Áurea Carolina, Fernanda Melchionna, Vivi Reis, Sâmia Bomfim, Talíria Petrone, Érika Hilton, Sônia Guajajara, Luiza Erundina, Randolfe Rodrigues, Henrique Vieira, Célia Xakriabá, Tarcísio Motta, Emerson Rodrigues, Guilherme Boulos — cada um deles provando que é possível fazer política com coragem, ética e paixão.
E minha reverência maior vai para Brice Bragato — minha madrinha política, quem me filiou ao partido, quem acreditou em mim antes mesmo de eu ser visto. É por ela e por tantos como ela que sigo acreditando que política é também afeto, entrega e memória viva.
Se querem domesticar o PSOL, vão encontrar resistência. Se querem reduzir a política a gabinetes, vão nos ver nas ruas. Se querem apagar nossos sonhos, verão nossa poesia.
Porque nós seguimos ousando lutar. E ousando viver.
